Poucas décadas antes do nascimento de Maomé, a Arábia era o lar de um rei que usava a cruz cristã como símbolo de seu poder.
Escavações feitas por arqueólogos da Universidade de Heidelberg,
Alemanha, trouxeram à tona a parede monumental de um palácio no qual a
imagem do monarca (cuja identidade é incerta) foi gravada, provavelmente
pouco antes de 550 d.C.
Em tamanho natural --cerca de 1,70 m de altura--, com uma longa túnica e
um cetro encimado por uma cruz, a imagem lembra mais os imperadores
bizantinos que os atuais xeiques do deserto.
A análise desse retrato e a estimativa de datação estão em artigo na
revista científica "Antiquity", assinado por Paul Yule, do Departamento
de Línguas e Culturas Orientais de Heidelberg. Yule e seus colegas
acharam a imagem em alto-relevo nas ruínas da antiga cidade de Zafar, no
Iêmen.
Zafar foi, por séculos, capital do reino de Himyar, cujo poderio chegou a
se estender por 2,5 milhões de quilômetros quadrados (pouco mais de um
quarto do Brasil).
Textos da época do Império Romano, bem como algumas inscrições nativas,
trazem dados sobre a história de Himyar, mas muito do que aconteceu
nesse reino perdido continua misterioso.
Sabe-se que a região era estratégica para o comércio de especiarias,
perfumes e objetos de luxo no oceano Índico, em um quadrilátero
comercial que envolvia também Etiópia, Índia e Roma.
CRISTÃOS VERSUS JUDEUS
Quando os romanos adotaram o cristianismo no século 4º d.C., seus
aliados e parceiros comerciais começaram a considerar se valia a pena
adotar a nova fé. Na Etiópia, o reino de Axum (principal potência
africana da época), seguiu esse caminho, mas a nobreza de Himyar decidiu
agir de forma independente.
"Na época, como agora, religião e política estavam fortemente ligadas",
diz Yule. Tudo indica que, para marcar a posição não subordinada aos
romanos e entrar no "clube" dos povos que adoravam o suposto "Deus
verdadeiro", os nobres de Himyar se converteram ao judaísmo.
Parecia uma solução politicamente brilhante, mas o xadrez geopolítico da
região se complicou. O Império Romano do Oriente, governado a partir de
Constantinopla (atual Istambul, na Turquia), resolveu aliar-se aos
etíopes para impor seu controle, inclusive religioso, sobre Himyar.
Motivo: a área também era considerada estratégica no confronto entre
Constantinopla e os persas, seus arqui-inimigos. Por carta, o imperador
romano Justino 1º exigiu que os aliados etíopes atacassem "aquele hebreu
abominável", o rei Yusuf (José), de Himyar.
Yusuf foi derrubado do trono em 525 d.C. A descoberta dos alemães sugere
que o ataque deu frutos políticos, e que o trono passou a ser ocupado
por um rei fantoche dos etíopes. A hipótese é reforçada pelos detalhes
da coroa e das vestes do soberano, que imitam retratos reais etíopes e
bizantinos da época.
"Os contatos com o reino de Axum parecem ter sido o elemento mais
importante nessa transição", diz Paul Freedman, professor da
Universidade Yale (EUA).
"Com os dados atuais, não há dúvidas sobre a instalação de um regime
cristão no sudoeste da Arábia entre os anos 525 e 560", diz Glen
Bowersock, historiador de Princeton (EUA).
Tudo indica que esse reino entrou em colapso logo depois, e a cidade de
Zafar foi abandonada. A região voltou a ser dominada por grupos tribais
até a ascensão do islamismo a partir do ano 622.
Pode-se dizer que o Islã seguiu estratégia parecida com a dos reis de
Himyar antes da invasão etíope: adotou elementos tanto do cristianismo
(veneração a Jesus e Maria) quanto do judaísmo (associação com Abraão),
mas com características locais que davam independência à fé.
Acesso: 29/11/13
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2013/11/1378243-arabia-teve-reinado-cristao-antes-do-isla-mostram-escavacoes.shtml
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